quinta-feira, novembro 23, 2006

K a t r i n a: A Fratura Exposta.

Pretos e Pobres... SIM!!!

As imagens que nos chegavam a todo instante dos desabrigados que perambulavam pelas poucas ruas não inundadas de Nova Orleans, ou que se degladiavam dentro do estádio Superdome, não deixavam nenhuma dúvida: eram todas de negros pobres e - fora as gangues de saqueadores que logo se formaram com o intuito principal de conseguir alimentos e se defenderem dos bandidos que também ali foram parar – eram, em sua grande maioria, idosos, obesos, mulheres e crianças. Eram os que não tinham automóvel particular, uma renda suficiente para uma vida digna; eram os que representavam um peso para o Estado. O caos prosseguiu por vários dias depois da ida do furacão Katrina. Não havia policiamento, defesa civil, atendimento sanitário ou médico/hospitalar. Helicópteros lançavam sacos de comida, que se tornavam imediatamente em focos de enlouquecidas batalhas campais. Explosões de substâncias químicas abalavam quarteirões, o odor insuportável dos cadáveres em putrefação anunciava um futuro macabro para aquela população abandonada, e o risco iminente de doenças infecto/contagiosas rondava a todos. Parafraseando Demétrio Magnoli, ”há mais de meio século, durante o bloqueio de Berlim promovido pela URSS, os EUA organizaram a célebre ponte aérea que, durante dez meses, sustentou a metrópole alemã, fornecendo-lhe comida, remédios, combustíveis e até chocolate. A maior operação logística da história, em tempos de paz, mobilizou todos os aviões de transporte americanos e britânicos na Europa, que realizavam, num dia típico, uma média de uma aterrisagem a cada três minutos em cada um dos três aeroportos de Berlim Ocidental. Mas, esse país, não conseguiu proteger ou retirar os refugiados do estádio Superdome, que disputaram alimentos a tapa, sofreram estupros e se viram obrigados a organizarem grupos de autodefesa, para permanecer vivos.”.Não existe nada comparável à logística de guerra americana. No Iraque, as colunas blindadas que capturaram Bagdá numa operação de poucos dias estendiam-se por centenas de quilômetros de deserto, enfrentando forças hostis e tempestades de areia. O país que cumpriu essa missão e tantas outras de ataque a povos e nações espalhadas por todo o planeta, não foi no entanto, capaz de salvar daquele inferno seus cidadãos pobres e negros de Nova Orleans. Nenhuma outro país deixaria seus cidadãos tão desamparados diante de um desastre natural daquelas proporções. Geralmente, em situações daquela gravidade, as nações se dão as mãos, esquecem suas diferenças ideológicas e, principalmente, seu orgulho e soberba, colocando acima deles o bem estar de cada cidadão vitimado: pobre ou abastado, negro ou branco. Desconfio que as cenas de Nova Orleans não ocorreriam em países da nossa empobrecida América Latina, na Coréia do Sul ou mesmo em Cuba que, por sinal, colocou de imediato centenas de médicos à disposição dos seus eternos algozes. Aquelas cenas nos remeteram à situação de falência do poder público típica dos países mais pobres do mundo ou à completa irresponsabilidade de Estados que desprezam a vida das pessoas. Essa primeira premissa, concordo, é questionável por enquanto, mas, com relação à segunda, não tenho nenhuma dúvida de que é inteiramente verdadeira.
Um país que já cometeu as atrocidades que os EUA cometeram em tempos de guerra ou de paz, disfarçadas sempre por notícias favoráveis de uma mídia atrelada apenas a conveniências econômicas, ou acobertadas por resoluções submissas do Conselho de “Segurança” do ONU, dando a tantos atos terroristas americanos, títulos como: “Em Defesa da Democracia”, “Para Libertar Aquele Povo Oprimido”, ou, o que está mais em voga, “Exterminar os Terroristas”, e uma conseqënte aparência de legalidade.

O governo Bush é, obviamente, o culpado imediato pela tragédia, mas, é preciso enxergar a paisagem inteira. “Os EUA não souberam socorrer Nova Orleans pelo mesmo motivo que não conseguem imprimir cédulas eleitorais unificadas ou modernizar seu sistema de voto eletrônico. Desde a administração do outro republicano Ronald Reagan, nos anos 80, quase todo o serviço público americano foi desmontado, até se tornar uma montanha de ruínas. A máquina Federal renunciou ao propósito de atender a população e, como conseqüência, já não existem as repartições, os burocratas, as rotinas e os procedimentos voltados para responder a emergências civis. Nos tempos do faroeste, salvavam-se os que tinham armas. Hoje, escapam os que têm dinheiro.” – diz ainda Demétrio Magnoli.

Diante do furacão Katrina, o governo americano só conseguiu alertar os proprietários de automóveis para abandonarem a cidade. Bem depois do desastre, deslocou do Iraque forças militares com a prerrogativa de atirar contra as gangues que agiram em liberdade na cidade desamparada.

Nova Orleans é um diagnóstico sobre o sentido de uma vergonhosa opção histórica: os EUA sabem matar cidadãos civis, crianças e idosos de outras nações, seja individualmente com suas modernas armas que enxergam à noite e bombas que penetram qualquer superfície, ou seja coletivamente, através dos subsídios aos seus produtos agrícolas ou se valendo das envenenadas bombas nucleares que dizimaram milhares de civis japoneses após a segunda guerra mundial, mas, não sabem, sequer, proteger a vida dos seus negros e pobres.

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A l i m e n t o . . .

Quando avaliamos a gravidade do ato de tirar uma vida, não devemos levar em conta a raça, o sexo ou a espécie a que pertence o indivíduo, mas sim as características do ser individual que está sendo morto, como por exemplo seu próprio desejo de continuar a viver, ou o tipo de vida que é capaz de viver.
Peter Singer - Vida Ética - Pag. 12.
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Pesquisa de Foto - Nadja Rolim
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Reproduzo a seguir, trechos de Editorial do The New York Times:

“O jogo fraudulento de comércio não está apenas semeando a pobreza ao redor do mundo, mas também muito ressentimento. Nas Filipinas, uma ex-colônia americana, nossa política de comércio agrícola é vista como um plano para perpetuar o imperialismo. No Vietnã, um país que foi capaz de reduzir sua pobreza rural apenas quando se desviou de sua ortodoxia marxista e permitiu que empreendedores tivessem acesso aos mercados globais, um exportador de peixes desesperado nos disse: "Nós nos perguntamos se vocês nos desejam mal atualmente tanto quanto no passado". O Congresso americano ignorou até a ciência, para decretar que o bagre do Vietnã, que se tornou popular entre os consumidores americanos, não é bagre, e portanto não pode ser comercializado como tal.
Os países desenvolvidos canalizam cerca de US$ 1 bilhão por dia em subsídios para seus próprios agricultores, encorajando a superprodução, que provoca queda dos preços. Os agricultores dos países pobres não conseguem competir com os produtos subsidiados, mesmo dentro de seus próprios países. Nos últimos anos, os agricultores americanos têm conseguido derrubar o preço do algodão, trigo, arroz, milho e outros produtos nos mercados mundiais a preços que nem começam a cobrir os custos de produção, tudo por cortesia dos contribuintes.
A traição de Washington aos seus princípios de livre comércio, ultrajaram não apenas os países mais pobres, mas também alguns aliados exportadores de alimentos, como a Austrália. O governo Bush podia ter-se unido a países como Austrália e Brasil em Cancún. Nossos representantes de comércio poderiam ter trabalhado para superar tanto os interesses mais mesquinhos do lobby agrícola americano, quanto o próprio protecionismo defensivo dos países em desenvolvimento. Em vez disso, os Estados Unidos se aliaram docilmente ao grupo de países que têm medo da concorrência justa.
Em uma aldeia onde se cultiva algodão em Burkina Fasso, nós vimos um escola com duas salas, mas devido à falta de verbas, apenas uma sala de aula está concluída. O mais embaraçoso para um americano é dar-se conta de que a cultura por trás das políticas agrícolas do nosso país, com suas barreiras comerciais e os bilhões de dólares em subsídios, contribui poderosamente para o atraso e as dificuldades vividas pelos produtores rurais dos países pobres e em desenvolvimento”
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(((O)))

Na Cúpula Mundial da Alimentação, 186 chefes de Estado e de governo apresentaram sua meta de reduzir a quantidade de famintos (815 milhões) pela metade até 2015. Hoje, mais de dez anos depois, a FAO estima que os que estão nessa situação cheguem a 852 milhões, ou seja, cerca de 13% da população mundial, sem alimento diário suficiente para ter uma vida sã.
Com suas subvenções intactas, os Estados Unidos inundam de alimentos baratos e subsidiados as nações em desenvolvimento, destruindo a produção dos pequenos agricultores desses países. O México, por exemplo, cultiva milho por mais de dez mil anos, mas, em razão do Tratado de Livre Comércio da América do Norte – ALCA - que alguns supunham, igualaria o campo da competição comercial, abriu seus mercados para as importações norte-americanas, incluindo o milho. Os produtores mexicanos, a maioria mini e pequenos produtores rurais, não puderam competir contra os gigantes produtores de milho dos Estados Unidos. Embora nos últimos 50 anos as riquezas do Planeta tenham sido multiplicadas por sete, elas nunca estiveram tão mal distribuídas, pois 20% da população mundial detêm 82,7% das riquezas, enquanto os 20% mais pobres vivem mergulhados na miséria, tentando sobreviver com menos de US$ 1 diário; e 60% da população mundial – mais de 3 bilhões de pessoas – com menos de US$ 2.
O hemisfério Norte, onde vive 25% da população global, consome 70% da energia mundial, 75% dos metais, 85% da madeira e 60% dos alimentos. Em todo o mundo, os cerca de 1,3 bilhão de pessoas que vivem na pobreza extrema, não têm acesso sequer a água potável.
Segundo dados da ONU, para responder às necessidades básicas de toda a população do Globo, bastaria retirar 4% da riqueza acumulada pelas 225 maiores fortunas, pois, atingir a satisfação universal das necessidades sanitárias e nutricionais, custaria apenas US$ 13 bilhões. A cada 4 segundos uma pessoa morre de fome. Ou seja, 24 mil pessoas por dia, quase 9 milhões por ano. A fome mata mais pessoas que o terrorismo internacional que, não obstante, é combatido sem tréguas por todos os países ricos, OTAN e ONU, com os EUA à frente.
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